Artigo por Bruno Oliveira Cardoso
Advogado, professor do Curso de Direito da Fucape, Doutorando em Ciências Contábeis e Membro da IFA (International Fiscal Association).
Desde a inserção do princípio da universalidade, para fins de incidência do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza (“IR”), as empresas residentes no Brasil com participação em empresas sediadas no exterior (controladas e coligadas) passaram a vivenciar uma verdadeira “saga” em busca de um posicionamento definitivo sobre a tributação no Brasil dos lucros auferidos por suas controladas ou coligadas no exterior.
Após uma tentativa frustrada em 1987 (por meio do Decreto-lei nº 2.397/1987, que teve seu art. 7º revogado pelo Decreto-lei nº 2.413/1988 menos de dois meses depois), com o advento da Lei nº 9.249/95 a legislação brasileira não só trouxe a universalidade como parâmetro para a tributação das pessoas jurídicas pelo IR, como também regulou a incidência sobre os lucros auferidos no exterior.
A nova regra gerou críticas contundentes à época, em razão do art. 43 do Código Tributário Nacional (“CTN”), norma hierarquicamente superior no sentido de que o fato gerador do IR somente pode ocorrer quando há a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica da renda, que no caso, deve ser entendida como a efetiva distribuição do lucro.
À época, em 1995, o art. 43 do CTN não fazia qualquer distinção entre a renda (lucro) auferida no exterior e no Brasil, de modo que a própria Receita Federal, por meio da Instrução Normativa n. 38/1996, disciplinou que a incidência do IR sobre os lucros de controladas ou coligadas no exterior dependia da “efetiva disponibilização mediante o pagamento ou o crédito ao sócio no Brasil”.
Em 2001, a Lei Complementar nº 104 inseriu o § 2º ao artigo 43 do CTN, que regulou: “na hipótese de receita ou de rendimento oriundos do exterior, a lei estabelecerá as condições e o momento em que se dará sua disponibilidade, para fins de incidência do imposto”.
Na sequência, foi editada Medida Provisória nº 2158-35/2001, que determinou a incidência do IR (e da CSLL) sobre os lucros de controladas e coligadas no exterior, considerando-os disponibilizados na data do balanço em que foram apurados. A incidência automática foi regulada pela Receita Federal por meio da Instrução Normativa nº 213/2002.
A partir daí, inúmeras ações foram ajuizadas com o objetivo de afastar a incidência automática do IR e CSLL sobre os lucros auferidos por controlada ou coligada no exterior, o que culminou no julgamento, somente em 2013, da ADI 2.588 pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal (“STF”), que apenas resolveu parte do problema, declarando a inconstitucionalidade da incidência exclusivamente quanto aos lucros auferidos por coligadas em países não classificados como paraísos fiscais.
Na sequência, foi editada a Lei nº 12.973/2014, com o objetivo de adaptar a legislação brasileira às diretrizes fixadas pelo STF na ADI nº 2.588.
Dentre as inúmeras situações peculiares de cada contribuinte no que se refere à tributação dos lucros auferidos por suas controladas e coligadas no exterior, uma merece destaque: a tributação quando há tratado internacional para evitar a dupla tributação entre o Brasil e o país em que está sediada a controlada ou coligada.
O entendimento do CARF e da Câmara Superior de Recursos Fiscais (“CSRF”) sobre o tema sempre foi amplamente favorável à Fazenda, sob o argumento de que o tratado internacional seria inaplicável em virtude de a legislação brasileira tributar o lucro da controladora no Brasil, e não da sociedade domiciliada em outro país (vide casos Refratec, Eagle I, Camargo Correa, Gerdau, Petrobrás, etc.).
No entanto, em abril de 2014, o julgamento do REsp 1.325.709/RJ pela 1ª Turma da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) inicia uma nova etapa da disputa entre fisco e contribuintes, representando um divisor de águas no direito tributário internacional brasileiro.
Na ocasião, o relator, Min. Napoleão Nunes Maia, destacou que as disposições dos tratados internacionais tributários prevalecem sobre as normas de direito interno, em razão da sua especificidade. Além disso, o Ministro asseverou que “a Convenção de Viena impõe que uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado (artigo 27)” e enfatizou que “a sistemática adotada pela legislação fiscal nacional, de adicionar os lucros auferidos pela empresa controlada ao lucro da empresa controladora brasileira, ‘termina por ferir os pactos internacionais tributários e infringir o princípio da boa-fé nas relações exteriores”.
A Fazenda interpôs recurso extraordinário (RE 870.214), o qual teve o seguimento negado pelo STF em 24 de março de 2021, firmando-se o lúcido posicionamento do STJ que, ao que parece, encontrou guarida no âmbito da CSRF, cuja 1ª Turma publicou este mês o acórdão 9101-006.097, o qual dispôs que existindo acordo para evitar a bitributação, os lucros auferidos por controlada no exterior não podem ser tributados no Brasil se houver disposição neste sentido.
Na decisão, a 1ª Turma fundamentou o julgado na existência de acordo para evitar a bitributação firmado pelo Brasil com Luxemburgo e Espanha, de modo que os lucros auferidos pela controlada da empresa brasileira não podem ser aqui tributados.
Outro ponto importante na fundamentação, reside na interpretação literal do art. 74 da MP nº 2.158-35/2001, cujo sentido é alcançar os lucros da empresa estrangeira e não seu reflexo patrimonial na empresa brasileira, na condição de controladora. Neste caso, os acordos analisados impedem que os lucros auferidos nos respectivos países sejam aqui tributados.
Apesar do grande avanço no posicionamento da CSRF, cabe ainda aguardar os desdobramentos e repercussões do julgado nos próximos “capítulos”.
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